quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

cinza.

passam e voam anos. eles crescem, vivem tudo, se apaixonam por outras pessoas.
acontece que linhas ali foram cruzadas... há tempos. e não vão se descruzar.
ele tem um trabalho maravilhoso, uma noiva linda. ela tem viajado o mundo num incrível sucesso acadêmico.
e um para o outro é uma parte nebulosa - e por que não boa? - do passado. e de qualquer forma passou mesmo.
imagine só, ele parou de fumar. e ela? ela já não perde meses saindo com idiotas incapazes de enxergar algo além dos próprios narizes.
já não se flagram relembrando nada em noites sós com dois dedos de choro e o resto de um whiskey pesado.
e o que há de mal resolvido está tão bem enterrado.
ele agora corre todas as manhãs e ela parece ter mesmo se adaptado com aquela nova dieta macrobiótica.
ele vai se casar em poucos meses e ela tem uma lista de possíveis 'amores da vida' assim, bem organizada e disponível.

equilíbrio sim, felicidade não. não tão rápido. tão lógico assim  não pode ser.
não pode ser que a alegria que a humanidade passa a vida perseguindo esteja ao alcance da estabilidade.
como se ausência de problemas significasse a presença de satisfação. pirou?

e pronto - estopim!
aquele amigo antigo dos dois liga. montou uma exposição de curtas e é claro que seria essa a oportunidade perfeita pra um passado no mínimo inoportuno - e calculadamente inconviniente - dar as caras.
é claro, ela estaria na cidade exatamente naquela semana.
e é claro, a noiva dele estaria ocupada em algum compromisso de Estado como a inauguração de uma loja de esmaltes para poodles.
e é claro, o maldito salão escuro reservaria dois lugares que seriam naturalmente ocupados por aqueles dois.
e eles se olhariam atônitos, assustados, envergonhados e se lembrariam de sorrir - como os bons adultos civilizados que eles haviam se forçado a ser nos últimos anos.
é que ele não ouviria dela outra vez que era mentalmente pequeno e incapaz de fazer algo pelo bem de outro alguém.
ela também não suportaria o olhar entediado dele, sugerindo que ela parasse de se preocupar tanto, de lhe exigir tanto, de se exigir tanto.
não - de novo uma pancada assim, não.

e é claro - eles passariam todos os minutos da mostra sem desviar os olhos do telão e sem enxergar nada de fato. num torpor que só uma volta no tempo é capaz de causar. ele bem armado para não mover o braço um milímetro que fosse. ela ali, reprimindo seus arrepios para que um pêlo eriçado não tocasse o homem ao lado.

e é lógico - outras situações absolutamente tensas, propositalmente - por conta de um destino irônico, talvez - os colocariam próximos demais naquela noite.
irônica a repulsão causada pela vontade de se aproximar. nada mais assustador do que o impulso natural do toque, não?
e se evitaram ao máximo, não se olharam, e viveram horas de terror, grudando os olhos no relógio e se esforçando para reprimir os batimentos rápidos demais daqueles corações recentemente tão acostumados à calmaria.

mas o revoltante no que diz respeito aos nossos impulsos é que eles são quase sempre como crianças pouco domáveis. e parece que ter consciência deles não aumenta nosso poder sobre os mesmos.
e talvez por isso - ou por vontade própria, quiçá - ela foi a primeira a falar:
- soube que você vai se casar - e sorriu o sorriso mais quebrado que alguém já teve. e sentiu isso, amaldiçoou-se mentalmente por esse pedacinho de espontaneidade que lhe escapava ao controle. logo ela, uma mulher bem sucedida, ali, refém de uma historinha adolescente? não, isso não.
- na verdade, é verdade. eu pretendo me casar sim. - respondeu ele, absolutamente surpreso e empurrado para a lembrança do que era tão encantador naquela pessoa que lhe encarava no exato momento.
- hum, que você tenha tudo o que tentamos e nunca conseguimos ter. - desejou ela, com um requinte de sinceridade além do esperado.
- pra te ser sincero, o que eu desejo pra qualquer relacionamento, meu ou seu é que eles tenham a única coisa que nós tivemos e que nos manteve assim, cativos.

e é claro, ele voltou a fumar. ela fugiu pro outro lado do mundo. e vivem bem, lutando dia a dia contra o fantasminha de um fracasso que parecia assim, tão idiota e tão certo...e tão iminente.

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