quinta-feira, 17 de maio de 2012

Mecânico...

Tenho temido tanto o perigo de mediocrizar-me... De uns tempos pra cá todo mundo tem se superficializado, se industrializado, sei lá... A gente ama, venera, cultua a tecnologia... Homem e máquina, criador e criação, imagem e semelhança, não sei... Gostamos de dinheiro, queremos concreto, adoramos poderes, prazeres, afazeres... E vivemos disputando: quem faz mais, em menos tempo, com menor envolvimento... Apego virou defeito, afeto virou pecado, altruísmo virou demagogia...E já não tenho tanta vontade assim de entrar na brincadeira, não quero, assim, bater ponto, uniformizar-me, saber nada sobre tudo... Viver de pele, de rosto, de superfície - que merda... É possível sim, que amanhã ou depois eu venha a ser tantas coisas que eu não admiro.. Talvez esse mosquito robótico me pique também - mas nessas brechas dos quiçás vou me ater ao máximo ao meu ideal de gente grande... Quem sabe?! Conhecer sem cristalizar, ter alguém que me ajude a manter poesia? A gente precisa de pesos e contrapesos... De artistas plásticos casados com médicas, poetas com engenheiros, astrólogas com técnicos de informática... Exercícios de sensibilidade, por favor, nos salvem de enferrujar... Queremos misturas, queremos contradições... Somos frágeis feministas, cavalheiros machistas... Acho que a gente carece de cuidados diários, de carinhos e cenários.. Acho que desejamos carruagens à espera - com a porta aberta, se possível...penso que queremos mesmo sucesso, reconhecimento e direitos iguais... Exigimos conforto econômico, participação política, mas, secretamente, sonhamos é com promessas, mirantes, propriedade sobre estrelas e atitudes em forma de verso... A gente quer rosas em redomas de vidro, quer conversas profundíssimas, quer poesias sussurradas e danças delicadas...Sem sexismos, sem maquinismos, só organismos, só humanismos...

domingo, 13 de maio de 2012

Sobre Lagartas...

Wagner Moura queria ter nascido mulher... "pra poder gerar uma vida, chorar mais ..." e por fim ter o objetivo de vida nobilérrimo de usar lingeries da Marisa. Bacana...
Eu nasci mulher... Posso mesmo gerar uma vida, choro podendo ou não e poderia ser compradora assídua da loja - " de mulher pra mulher", sabe como é?! Mas, inesperadamente,  eu preferia ter nascido formiga... E não qualquer formiga, não formiga de cidade, formiga de pão doce, formiga de sola de sapato... Queria ter nascido formiga de selva... De sítio, de mata, de santuário verde, sei lá... Queria ser dessas formigas que nunca viram ou temeram gente... Dessas que só conheceram sua propria hierarquia formigueiril - neologismos, eu sei... Ahhh, meus neologismos!
Pensando bem, vida de formiga é difícil... Patas demais, articulações demais, regras demais...  Bom mesmo deve ser nascer lagarta... Viver se arrastando, ser molinho, molenga e viver assim nesse ritmo zen... Lagarta pode meditar, porque não tem vida pra ganhar, não tem papel pra assumir... Lagarta pode fumar narguilé - não tem pulmão pra preocupar, não tem arteriosclerose pra incomodar...  Lagarta não tem dor nas costas - não tem nem costas pra alguém montar, pra alguém apunhalar, pra alguém ludibriar... Lagarta fica lá - meditativa, transcedental, respiratória e não tem nem conta pra pagar... Não tem vestibular pra prestar, eleição pra votar - é o que penso, mas, sei lá, até as aranhas de Machado têm sua Sereníssima República... Lagarta vai vivendo, comendo e um belo dia - plim - encasula, dorme, descansa de tanto descanso pra acordar depois borboleta... Vive os dois extremos físicos - ora grudada ao chão, ora livre no ar... Quando o enamorado de Bandeira disse à Antônia como ela se parecia com uma lagarta listrada, ela ainda pôde se ofender... É, "Antônia, você é engraçada, você parece louca!"... Que de melhor pode alguém querer que ser lagarta?!

Namorados - Manuel Bandeira


modelo: Lagarta Antônia, analfabeta, moradora de pedras e grama da Serra da Piedade.


sexta-feira, 4 de maio de 2012

"querido diário otário,"

Deu aqui uma vontadezinha quase infantil, quase imprudente de escrever pra desejar... Sentir de alguma forma minhas vontades mais próximas de se concretizarem... Dizem que quando a gente pronuncia, as coisas ficam mais reais, mais 'acontecíveis'. Dizem...
Acho chato falar sobre frivolidades, fragilidades, que soam ainda mais estúpidas nessas páginas floridas e rosadas... Nunca curti o papel de pequena grande crise, de pessoa reduzida a faixa etária... Não que eu queira de alguma forma me colocar acima disso - só acho que nossos dramas são assim meio individuais, ou deveriam ser, sem necessariamente serem endemias de adolescente...Endemias de meia-idade, chatices de velho, enfim...

Enfim, acho chato mesmo falar sobre frivolidades, mas falo porque sinto... E acho chato mesmo senti-las também...
Acho complicado querer a todo custo me livrar de mim mesma nesses confessionários mudos, nessas terapias pessoais - mas é complicadamente funcional...
É por isso que me dou aqui, a liberdade irrestrita de filosofar, sistematizar, teorizar, exagerar, dramatizar e me ridicularizar quantas vezes forem necessárias... Já me seguro tanto com tantas coisas, com tantas pessoas, em tantos lugares, durante todas as horas do dia...
Eu odeio sentir vergonha das coisas que eu sinto, das coisas que eu penso... Morro de inveja de certas maturidades, de certas clarezas, certas praticidades... Fico aqui, com arrependimentos e recalques do que nunca foi culpa minha... Fico aqui com lembranças maravilhosas de acontecimentos medíocres... É que as coisas são assim, muito mais bonitas de longe, muito mais valorosas quando passadas...
E é difícil essa vida de viciada em pretérito, de viciada em talvez, de viciada em querências, demências, falências...